O defeito das terras mineiras é não ter praia, caso tivesse um pedacinho bem pequeno de mar já seria um estado perfeito. Mas como nem tudo é como queremos, temos que nos divertir com o que temos mesmo, cachoeiras e botecos, as cachoeiras são distantes, algumas de dificílimo acesso, então sobra os botecos, a maravilha das maravilhas, a famosa praia dos mineiros.
E somos bons nesse negócio de boteco, temos cada um melhor do que o outro, sem contar que nossa culinária ajuda de montão a ficarem melhores ainda, quem resiste a uma cervejinha ou uma cachacinha da roça tendo como tira-gosto o bom e saboroso torresmo? Meu Deus, é coisa divina realmente!
O boteco é um símbolo de felicidade, não importando se é um belo dum “copo sujo”, aqueles mais populares, para o dia ou um mais bacana, chamados de “barzinhos” para a noite, todos são especiais e todos têm no DNA a alegria desse povo maravilhoso. Tenho orgulho de ser mineiro, de frequentar botecos do dia e da noite e de ser um fã incondicional do torresmo, uma verdadeira iguaria da nossa terra.
Vamos pular o torresmo, esse fica para outro artigo, e vamos falar dos botecos, nossa praia por excelência, onde todo mundo se encontra e rola até uma fofoca. Quem frequenta botecos sabe que num desses lugares podem ser resolvidos todos os problemas do mundo, você encontra solução para guerras, doenças, desemprego, direitos humanos e tantos outros que se possa pensar. No boteco tem sempre um que sabe direitinho como resolver cada um dos maiores problemas mundiais, uma pena que os grandes líderes os ignoram. E as soluções vão se tornando mais elaboradas à medida que o teor alcoólico vai subindo na cabeça dos frequentadores, que ao chegarem estão mais reclamando da vida e pouco tempo e uns copos depois já encontram a solução para os problemas energéticos, do meio ambiente e da Covid-19. Pode acreditar, se você nunca frequentou um boteco, vá a um e você aprenderá como resolver muito mais do que os problemas da sua vida, ou da cidade, mas também os problemas mundiais mais complexos.
Nossa praia é bem democrática também, no boteco entra todo tipo de gente, uns ficam lá por horas a fio tomando uma cerveja e não dão papo a ninguém, são chamados “esquisitos”, outros enchem logo um engradado de garrafas vazias, tem os que tomam só uma pinguinha e tem os que vão para filar qualquer coisa que os amigos estejam bebendo, os “godelos”, assim chamados por causa do pássaro que coloca seus ovos no ninho de outros pássaros para que eles os criem, só que os “godelos” humanos não gastam nada e saem bêbados do boteco. É nos botecos da vida que o mineiro está praticamente em casa, os donos desses estabelecimentos são também psicólogos, coaches, apenas um ouvido amigo e precisam ser, além de tudo, muito pacientes ao ouvir dos seus clientes suas histórias de fracasso e de sucesso antes que os outros frequentadores cheguem, pois nesse momento não existem mais problemas, só soluções. Um boteco é como um Facebook real, onde todo mundo é feliz, tem dinheiro de sobra e super capacitado em qualquer área de atuação, com uma diferença importante, ali você está com a pessoa cara-a-cara, sem filtro algum, ouvindo as histórias, levando umas cuspidas aleatórias e contando as suas também, por que não? Ali é o lugar da libertação de qualquer prisão, acredito até que é onde realmente os problemas ficam lá fora, só entra ali a parte boa das pessoas, salvo algumas exceções, mas essas ficarão de fora desse artigo.
Na praia dos mineiros todo mundo fica vestido, não tem onda, a não ser a alcoólica mesmo e, por ser um lugar limitado no tamanho e fechado, todo mundo fala com todo mundo, principalmente nos botecos de bairro, os chamados “copo sujo”, onde a frequência é bem mais democrática. Todo boteco tem suas figuras carimbadas, aquele frequentador que é amigo de todo mundo, está ali para se divertir e fazer os outros se sentirem bem, normalmente é amigo do dono, goza de alguns privilégios como ter uma conta que é honrada semanalmente ou mensalmente, bebe do lado de dentro do balcão de onde consegue acesso a todos os frequentadores e puxa as brincadeiras que rolam.
Nossa praia não suja o corpo de areia, não tem aquela água salgada deliciosa do mar e nem a mulherada de biquíni e os homens de sunga, nada disso, o que dá uma invejinha de quem tem isso onde mora, mas pode ter num cantinho um chuveirão para refrescar o calor, tem cerveja geladinha, pois quente é purgante e tem o tira-gosto, que sem ele não dá para beber. A nossa praia quando não estamos em Cabo Frio, Piúma ou Guarapari, é o boteco mesmo, lugar onde todo mundo passa no final do dia para desestressar antes de chegar em casa, jogar uma conversa fiada fora, reclamar um pouco, solucionar problemas e, o melhor, ver os amigos, muitos deles só vistos ali mesmo, não são vistos em outros lugares, a não ser esporadicamente na feira de domingo, e nem frequentam a casa um do outro, os famosos amigos de boteco.
Quem dera que além dos botecos ainda tivéssemos uma praia para chamar de nossa ali do outro lado da rua, ai que inveja! E inveja não é sentimento nada bom. Nós daqui de Juiz de Fora somos conhecidos como “cariocas do brejo”, ao ponto de um amigo de Malacacheta, no nordeste de Minas, me chamar de “carioco”, por estarmos mais próximos da Cidade Maravilhosa do que de Belo Horizonte, nossa linda capital, cidade que eu gosto de verdade, onde tem botecos superbacanas. Costumamos brincar que temos um bairro aqui próximo que tem praia, só precisamos descer cento e poucos quilômetros para chegar lá. Mas a nossa realidade, assim como a de todos os mineiros, é que nossa praia é o botequim, seja ele copo sujo ou de cristal, mais que isso é pura brincadeira de boteco.