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COMO ERA BOM O XANGAI

Para ficar bem explicado, antes de mais nada, Xangai era o nome dado ao trem que ia de Juiz de Fora para Matias Barbosa, que funcionou até o final dos anos 1990, mais precisamente 31 de dezembro de 1997, ou 1996, ou 1998, cada fonte cita uma data então citei algumas que vi na minha pesquisa, assim evito controvérsias ou crio algumas. Como não me lembro, e não quero ser injusto com ninguém, coloco todas as datas aqui, o resto vai das minhas lembranças mesmo, esse não é um compêndio histórico. Uma viagem de mais ou menos uma hora, muito divertida, pelo menos para mim e meus colegas matões de aula, me lembro que para pegar o trem lá na praça da estação era necessário matar a última aula no colégio, outra aventura que já contei em outro veículo e que posso recontar aqui depois.

Mas vamos aos fatos, verídicos e aumentados um pouco para o texto ficar mais gostoso de ser lido. Era um barato fazer essa viagem, não por causa de Matias Barbosa, lá não tinha muito o que fazer e nem dava muito tempo de fazer nada, porque o Xangai ficava parado na estação por poucos minutos, só o tempo de virar a locomotiva e embarcar os passageiros, e era preciso voltar para casa para almoçar. Imagino que para quem viajava por necessidade a viagem não era tão boa assim, o trajeto tinha alguma beleza, mas não era tão exuberante porque a ferrovia ia margeando o rio Paraibuna e a estrada União e Indústria, antiga Juiz de Fora X Rio de Janeiro, uma coisa importante a citar era que ela passava pela primeira usina hidrelétrica da América do Sul, a Usina de Marmelos, no mais tinham uns túneis, talvez três, não me lembro e pasto, muito pasto, alguma mata preservada, muito pouco por sinal, já naquela época, e o rio, que já morria a passos largos devido ao despejo de todo o esgoto de Juiz de Fora e outros restos das empresas que existiam por perto.

Eu e meus amigos, levávamos umas cabeças de nego, com as quais fazíamos “bombas-relógio”, com cigarros, “programadas” para explodirem dentro dos túneis, era um barulho enorme e o susto das pessoas era divertido, era uma bagunça legal que o agente ferroviário responsável por furar os bilhetes ficava louco, havia a nossa cantoria, as explosões, que não aconteciam em todas as viagens, para não ficarmos marcados, e muita farra da molecada, nessa época contava meus treze ou quatorze anos, eram os anos oitenta e naquela época eu não me interessava muito em ficar olhando paisagem, por isso não sei descrever direito o que tinha pelo caminho, só o básico mesmo, bois, algumas casas de sítios, o rio, a usina hidrelétrica e os túneis.

Trem sempre foi uma de minhas paixões, eu adoro parar para ver o trem passar, nem ligo quando fico retido nas passagens em nível que existem na cidade, eu me desligo de tudo para admirar o trem correndo sobre os trilhos. E, mais que isso, andar em um trem é uma delícia, quem nunca andou que se programe para um dia andar, não há coisa melhor e o Xangai era o máximo naquela época, primeiro porque eu estava entre meus amigos e amigas e segundo que nessas viagens malucas sempre rolava um beijo na boca de alguma menina que ia com a gente, e não era no túnel não, era ali mesmo sentado no banco, igual a gente grande, curtindo aquele balanço legal do trem que fazia o beijo da menina mais gostoso, principalmente quando era aquela que eu estava a fim. Sempre convidávamos umas meninas para irem, geralmente as que estavam em nossa lista, parece que ali no vagão a coisa rolava mais fluida e a pegação era geral, quando as garotas iam, claro que não tinha cabeça de nego, era só amor e beijo mesmo. Ainda hoje me lembro como se tudo tivesse acontecido agora mesmo. O Xangai saía por volta de onze e meia e voltava uma hora da tarde mais ou menos, o tempo para ficar em Matias era bem pequeno, dava só para sair, comprar a passagem de volta, uma pipoca e um refrigerante para acalmar a fome e depois voltar, mais nada era possível fazer nesse passeio, era só a curtição mesmo de andar de trem. Uma pena que acabaram com o Xangai, não sei porque fizeram isso, talvez pelo custo, a passagem era muito baratinha, por isso a molecada ia em peso, certo é o ditado ao dizer que tudo que é bom um dia acaba, e o Xangai acabou assim, do nada, num dia tinha e no outro já não tinha mais, não deu nem para despedir, e então era preciso arrumar outro motivo legal para matar a aula de Matemática, se bem que qualquer coisa era mais legal que assistir a aula de Matemática, matéria que não aprendi muito e não me arrependo de não ter aprendido, me arrependeria, sim de não ter matado as aulas para viajar no Xangai, isso sim me faria ficar triste, nem o “pau” que levei em Matemática me fez desistir de andar no trem, pois tomei “pau” direto e tive direito ao mesmo tempo de férias dos meus colegas que passaram de ano, com a vantagem de ter me esforçado menos para isso e ter me divertido muito no Xangai.

Ultimamente estou meio saudoso de algumas coisas, no artigo anterior falei das casas antigas das quais me lembro, me lembrei até de algumas pessoas, agora estou me lembrando do Xangai e das travessuras que fazia para poder andar nele. Tinha dias em que o trem ia lotado, nesses dias era impossível de fazer alguma algazarra lá dentro, as pessoas reclamavam, então ia toda molecada murcha feito maracujá velho, pois só na volta dava para soltar os bichos e bagunçar um pouco, o trem voltava invariavelmente mais vazio, era normal, então a turma fazia uma perna bem comportada e a outra daquele jeito, botando os bichos todos para fora.

O ponto inicial da viagem do Xangai em Juiz de Fora era a estação de Benfica, um bairro lá da Zona Norte, passava pela estação do Manoel Honório, já próximo do Centro e depois na Praça da Estação, sua última parada na cidade, onde embarcávamos, pois essa ficava no Centro da cidade, era lá que começava a nossa aventura ferroviária e ali, também, esquecíamos de tudo. Não dava para ir todos os dias, só nos dias em que a aula de matemática era no último tempo, era preciso roubar as carteirinhas, carimbar e pular o muro, uma operação complexa, mas divertida, pois os bedéis eram bem espertos, mas essa é outra história.

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