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A TELEVISÃO DA VIDA

A janela, aquele retângulo de vidro e metal cravado em aberturas nas paredes de fachada dos prédios residenciais ou comerciais e das casas para refrescar, é, a depender de onde se mora ou trabalha, uma televisão aberta e gratuita que mostra a vida real alheia passar na sua frente, claro que não sabemos muito sobre quem são essas pessoas, mas se tiver um pouco de tempo para observá-las, seus horários e trajetos diários, o que algumas delas fazem mais ou menos no mesmo horário, e um pouco de fertilidade na imaginação você consegue montar histórias de vidas muito boas.

A minha janela, particularmente, é uma televisão privilegiada por um lado e um tormento por outro. O privilégio é que ela fica voltada para uma avenida movimentada, o tormento é que esse mesmo movimento é causador de um barulho infernal, que em determinados horários quase me impede de ouvir o que é dito na televisão convencional, aquela com tela de cristal líquido ou led, se ela não estiver em um volume alto, minto, muitíssimo alto. Eu, que não sou fofoqueiro e nem tenho muito tempo de ficar pendurado no parapeito de minha janela, sei que algumas pessoas, moradoras de outros prédios do entorno, tem seus horários bem determinados, exemplo é que todo dia, por volta de seis horas, um carro vermelho sai da garagem do prédio um pouco à frente, faz a volta lá em cima, porque onde esse prédio está é no lado oposto aqui da avenida, na pista centro/bairro, e volta, por vezes vem do morro que dá aqui na rua lateral e outras vem pela avenida mesmo pela pista de descida bairro/centro. Também as meninas bonitas da academia que tem ali do lado, que, cada uma a seu horário, vem malhar, a moça do cachorrinho, do prédio da esquina em frente, que todo dia a tarde sai com seu Totó no colo e só o coloca no chão depois de atravessar a rua, quando o bichinho faz um grande xixi no poste do semáforo, essa sempre sobe o morro. Dentre outras coisas que acontecem aqui, a “velhinha caozeira”, apelido dado por mim, que pede esmolas no sinal aqui em frente e vai embora de táxi para casa, vi isso outro dia, mas já sabia que ela era um sete um.

Já parou para dar uma olhada para fora da sua janela? Se não, então faz, é até bem interessante como passatempo, mas cuidado para não se viciar e começar a tomar conta de seu vizinho ou vizinha sistematicamente, é só de vez em quando! Mais que isso pode ficar chato e dar alguma dor de cabeça caso um dos observados ou bisbilhotados, queira tirar satisfação com você, nunca aconteceu comigo, mas sei que acontece e que são brigas enormes, eu não sou fofoqueiro e nem tenho tempo de ficar ali dependurado, por isso acho que passo despercebido. Se você pensar bem, ali está a melhor televisão verdade que você pode assistir sempre ao vivo, ninguém está fingindo ser o que não é, como nas redes sociais, você vê, provavelmente, não na  forma nua e crua como é a pessoa, mas chega bem próximo disso, na rua é difícil esconder algumas características pessoais por não ter ali o Photoshop, a barriga fica proeminente, a bunda fica caída, os cabelos desgrenhados, tudo é bem natural, mas tem também as boas surpresas, barrigas bem postas, bundas na posição correta, cabelos bem arrumadinhos, nem tudo é caos e nem tudo é beleza no mundo ao vivo da TV Janela.

A respeito disso, eu, quando estou na rua, costumo observar as janelas em volta para saber se tem alguém me olhando lá de cima, procuro tentar saber se a pessoa está me observando ou não. Então, por via das dúvidas, dou uma aprumada no corpo, faço ar de pessoa importante e fico olhando de esgueio, por vezes meto o carão mesmo, quase perguntando: “o que é, nunca viu não ou gostou?” Tirando uma onda de bravo, mas não falo nada, vai que a pessoa que está ali nem está me olhando, e me responde “ué, tem gente aí?”, como eu fico? Me sentindo péssimo. Uma vez que ninguém me fez essa pergunta, eu também fico na minha, mas que dá uma vontade, isso dá… olho também para me certificar que não vou levar uma cusparada, um ovo na testa ou um banho de água, isso já é resquício dos tempos de moleque…

A janela na ficção, que copia a realidade dramatizando muito mais as situações, é sempre um lugar divertido, a fofoqueira, sempre uma mulher estereotipada, normalmente é atriz especialista em comédia, ou sabe fazer bem o gênero, é aquela pessoa que se mete na vida de todos os outros personagens, sabe tudo de suas vidas, dá seus pitacos cheios de humor e, fora os outros personagens protagonistas, agrada ao público com suas tiradas, esse tipo de personagem emula algumas características de pessoas que conhecemos e nossas mesmo, afinal, quem não gosta de saber um pouco da vida dos outros? Eu não aprecio, mas quando me contam sobre alguém, depois de tentar evitar o comentário, peço detalhes para me certificar de que a pessoa fofoqueira está falando a verdade, não passo para a frente, principalmente quando me pedem para “não falar com ninguém”, mesmo sabendo que isso já rodou o mundo ao qual estamos restritos e esse tal de “ninguém” é um cara bem informado.

Enquanto escrevo mantenho a janela aberta para abrandar o calor, que está forte, e, como o assunto é sobre janela, fico de ouvido em pé com o que acontece lá fora, não posso reproduzir aqui o que ouço, pois às vezes um motorista xinga o outro, e são palavrões daqueles cabeludos, nem se importam com quem não tem nada com o motivo da briga, por vezes besteira. Outras pessoas passam em direção à feira, que acontece aqui perto e ouço o barulho das rodas dos carrinhos deslizando pelas pedras portuguesas das calçadas, um vai e vem sem parar, sei bem identificar o som de um carrinho vazio de outro cheio, então sei se a pessoa está indo ou voltando. A feira também é um lugar bem legal, adoro um pastel de feira com caldo de cana, é uma das maravilhas que não podem faltar em uma boa feira.

A janela é aquele lugar onde você, que mora em apartamento, tem uma vista para o lado de fora, pois viver encaixotado num pedaço de laje cercado por paredes chega a ser deprimente se não tivermos uma fuga qualquer, assim como trabalhar o dia inteiro enfiado num escritório, ouvindo o som das pessoas falando, digitando seus documentos e do ar condicionado, como animais presos, em ambos os casos, dentro de gaiolas sem as grades, em algumas janelas é necessário colocar aquelas telas ou mesmo grades, a depender do local.

Aprecie a vista de sua janela, seja ela voltada para a rua ou para um belo bosque, onde você vai observar os animais em seu habitat, sejam eles os civilizados ou selvagens. Mas cuidado que muitos animais humanos estão bem próximos, no seu agir, dos animais selvagens!

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