Vez ou outra saio pela rua simplesmente para ver o movimento, olhar as pessoas e sair de casa um pouco, nessas minhas andanças pela cidade de Juiz de Fora noto que muitas referências antigas, do meu tempo de menino de calças curtas não existem mais, além de muitas pessoas que faziam parte dessa época também não mais existirem. O tempo passa e casas velhas são derrubadas para darem lugar a prédios ou a estacionamentos, pessoas das antigas morrem para deixarem seus lugares vagos, pois esses lugares nunca mais serão ocupados, em nossos corações.
Eu disse anteriormente “casa velhas”, mas corrijo agora aqui, são casas antigas, que levaram com elas, quando demolidas, as histórias de pessoas, de famílias que ali viviam e, com o tempo, serão esquecidas, mas resistirão na minha memória e de outros contemporâneos. Sem registros fotográficos, registro escrito ou audiovisuais, essas casas, de bela arquitetura do Século XX e até do Século XIX, vão ao chão impiedosamente por conta da especulação imobiliária, serão substituídas por prédios, cuja arquitetura atual, padronizada e quadrada, deixam a cidade menos bela, ou simplesmente em seu lugar colocam um gigantesco estacionamento, com centenas de vagas, ficando ali um vácuo de beleza e de história perdidas, de incalculável valor para a cidade.
Jogam ao chão centenas de anos de história que as gerações futuras vão desconhecer, verdadeiras obras de arte em forma de prédios são dizimadas em nome do progresso. Sim é preciso olhar para o futuro, a cidade precisa crescer, acolher novos habitantes e empresas que geram empregos, mas esse crescimento, principalmente no centro, destrói a história e deixa a cidade menos iluminada pelo sol, por conta dos imensos prédios que são construídos, uns em cima dos outros, que, além de tudo, tiram a privacidade das pessoas vizinhas. Constroem quase que um apartamento dentro do outro, pois colocam em um andar um número absurdo de unidades em nome, da “maximização do espaço”, nome atual do lucro. Em um lugar onde viviam pouco mais de cem pessoas, em pouco tempo passam a viver cinco mil, gerando trânsito, problemas de drenagem de água pluvial, desordem e empobrecimento visual da cidade.
Sinto falta da cidade de trinta anos atrás, quando saía à rua e conhecia todo mundo, do meu tempo de criança, quando todo vizinho era “tio” e os amigos eram quase que da nossa família, um almoçava e jantava na casa do outro, da chacrinha em frente aos portões, quando cada vizinho trazia uma comida e uma bebida e ficavam conversando até tarde enquanto as crianças brincavam, brigavam, brincavam outra vez e eram felizes sob a vista dos pais. Ninguém ficava enfurnado em casa, a vida era boa e os quintais melhores ainda, pois neles tinham árvores cheias frutas, que a molecada roubava só porque era mais legal, pedir era fácil demais e pular os muros era uma aventura e tanto. As casas antigas aqui da rua me fazem falta. A casa da dona Bilú, onde tinha carambola, a casa da dona Dorinha, que tinha um monte de frutas, cada uma delas produzia em uma estação, a casa da minha avó, que também tinha uma boa variedade de frutas, inclusive tinha um pé de café, cujos frutos eram usados como arma nas guerras de frutas, o que deixava minha avó louca de raiva. Hoje essas casas, assim como as suas saudosas donas, não existem mais, duas viraram prédios, inclusive a da minha avó, e uma virou estacionamento, assim como outras aqui da rua, triste esse fim.
Acho que estou ficando velho, pois estou sentindo falta dessas coisas, dessas pessoas, e esse sentimento vem aumentando com o tempo. Sei lá, mas pode ser também por ter aumentado a violência. Onde antes podíamos ficar de bobeira conversando, não dá mais, dependendo da hora, tem os “noias”, que perturbam, roubam e deixam o lugar inseguro. Sinto falta do pique-esconde, de jogar bola na rua, da “tia” Cuca e do “tio” Polito, esse era bravo, mas de bom coração, do Geraldo dono do bar, do “seu” Lucas, motorista de taxi, da “dona” Dorinha e suas notícias fresquinhas, se é que me entendem, de tanta gente que já se foi, inclusive com a morte de alguns deles as casas também foram vendidas e demolidas, as que não foram demolidas estão tão modificadas que já não são as mesmas casas de antes.
Eu caminho pelo bairro, ando até o Centro e vejo tudo mudado, poucas pessoas eu conheço, ninguém mais se olha nos olhos, estão todos de olho nas telinhas dos celulares, nem sabem por onde andam e se tem mais alguém ali onde estão. A caminhada de quem como eu deixa o celular no bolso é chata, solitária e silenciosa. Preso em meus pensamentos e órfão das casas que outrora eu amava olhar, porque as danadas eram bonitas, os arquitetos daquela época eram criativos e verdadeiros artistas, desenhavam obras de arte maravilhosas, que enchiam nossos olhos de alegria, hoje esses mesmos olhos vagam tristes no cinza fúnebre que tomou conta das construções modernas, das formas todas padronizadas para baratear custos ou sei lá qual o motivo, assim como as construções, os carros novos também são todos iguais. Minha caminhada hoje é sem graça, melhor seria ir de carro, mas faltam vagas nas ruas, as que existem são pagas, veja só, pagar para deixar o carro na rua, isso é o fim, ou pagar altos valores para deixar o carro em um estacionamento, que “não se responsabiliza pelo veículo”, então se você chegar e o carro tiver com um amassado ou tiver algum objeto furtado de seu interior, o problema é solenemente seu, que vai ter que contratar um advogado, entrar com uma ação na justiça para ter direito ao conserto, que certamente será mais barato do que mover a ação, tudo isso é surreal e estressante.
A cada passo que dou nas ruas de minha cidade, menos a vejo na sua essência, a Manchester mineira, virou um traço do que foi no início do Século XX, quando era progressista, pioneira em tantas coisas, temos a primeira usina hidrelétrica da América do Sul, aqui também foi transmitido o primeiro sinal de TV do Brasil, um ponto, gerado no Edifício Clube Juiz de Fora e enviado até a Avenida Getúlio Vargas, em 1948. Ninguém dá a menor importância para isso, é história, para nos orgulharmos. Ainda temos algumas construções históricas, como o prédio do Museu Mariano Procópio, que hospedou o imperador D. Pedro II. Joias da arquitetura da Juizforana que ainda resistem ao tempo e às marretas, marcos da pujança da cidade nos seus áureos tempos, hoje apagados pela pressa de crescer e pela fome de ganhar dinheiro.